temperatura
no ultimo ano estive no Rio de Janeiro três vezes, quebrando um longo jejum de sete anos, se descontadas as escalas no aeroporto a caminho de outros lugares. Em duas dessas vezes, na véspera do inverno, fiquei tomando chuva e passando muito frio em pequenas praias, uma na ilha grande e outra agora em búzios. em setembro fui pro rio com um casal de amigos para ficar no que a ju adora divertidamente chamar “núcleo manoel carlos”, circuito levemente luxuoso mas, como sempre, contaminado pela nossa acidez - critica implacável do cotidiano, arquitetos e sua mania (de acordo com a denominação do flavio) de enformar o mundo. na hora de voltar daquele feriado, num domingo antes do almoço, enquanto atravessávamos um mar de favelas, ficava ainda mais evidente para mim que a decadência de um pais e tanto mais irremediavel quando acomete suas velhas cidades, exatamente as que abrigaram sua nobreza e esplendor. e como um ancião que viva sozinho na sua casa, alguém abandonado na velhice, sem ninguém para lhe colocar gotas de perfume no colo depois do banho, lhe por para dormir. Que os brasileiros somos ingratos sob as vestes de tanto bom humor isso não e novidade. Mas que a gente comece a dar lições de cinismo, devo confessar, me arrepia. Por isso sempre me espanto a cada vez que ponho os pés nesse estado. A evidencia aqui não e apenas a de um mundo decadente mas de um lugar abandonado, ao qual as pessoas não voltam as costas, mas olham e solenemente ignoram.
na ilha grande, num alojamento muito antigo da uerj (pra la de bacana) em que ficamos por uma semana inteira num grupo de trabalho, não tinha peixe ou fruta no refeitório, tudo vinha enlatado ou ensacado do rio – e isso por que estávamos numa reserva ambiental, claro, em que o solo não podia ser cultivado. Entendo zero de proteção ambiental, ecossistemas, sustentabilidade, etc. mas me aflige tanto senso preservacionista aliado a mais rude artificialidade, que não deixa beber água potável de filtro de barro, comer comida crua e sim muita água mineral engarrafada industrialmente e macarrão com molho italiano empacotado em algum deposito na periferia de são paulo.
aqui em búzios tente achar fruta fresca num supermercado ou sacolao qualquer; antes de terminar sua procura você terá atravessado bueiros abertos, lodo nas calcadas, e vai sair do caixa carregando uma minguada sacola com uvas-passas, castanhas e seis macas garimpadas. fora da rede hoteleira e de fancy restaurants não existe vida, cada pequena rua dessa rica cidade não vive para si mas para mostrar-se, vive do pior turismo, esse que fazemos e deixamos fazer há 507 anos. gosto sempre de dizer que a região dos lagos (basta pensar na sobrevivência de um lugar como cabo frio, tomada por nos mineiros durante décadas e décadas) tem as praias mais bacanas do pais por que sobrevivem a brutalidade da ocupação. seu mar continua limpo e gelado, as areias conseguem ser limpas a cada manha; claro, o investimento e pesado quando se trata de receber retorno em dinheiro estrangeiro ou da província vizinha.
mas o olhar das pessoas daqui esta eivado de abandono, tem algo parecido com uma nodoa de fruta que começa a apodrecer, transparece um cansaço irremediável. Não há nenhum futuro num mundo urbano assim. E o rio e so um pedaço do pais, esse que a cada semana principia de novo e de novo a enfraquecer, numa corrupção que não estanca. Uma reportagem no globo de domingo dizia que a câmara de vereadores do rio de janeiro votou 159 projetos ou outro numero que o valha. Desses, mais de uma centena era para aprovar mudanças de nomes de rua e dar nomes aos dias do calendário. Dia disso, dia daquilo. Claro, o pais esta mesmo pronto. Do que mais precisamos nos ocupar?
Não sei mais onde li, uma vez, sobre simultâneos terror e o fascínio que sentiam os primeiros habitantes daqui, quando tinham de se despedir dos que voltavam a Portugal. Tinham a tal ponto medo da vastidão que os rodeava que era-lhes muitas vezes mais fácil fitar o oceano ate perder o navio de vista do que virar-se e encarar a floresta espessa; so o faziam depois de anoitecer , mas ai a mesma terra lhes chamava com seus ruídos densos e estranhos, com cheiros e gostos, suas paisagens hipnotizantes – tudo se convertia num mergulho em águas escuras, numa entrega incondicional. O rio de janeiro e assim ainda hoje, uma beleza que cega e que a tudo resume. Ate o dia em que o resto do pais inteirinho for como ele, uma lembranca da paisagem.
De resto, ju e flavio, vocês deveriam ter vindo me fazer companhia nessas tardes insuperáveis a beira-mar. Saudade.
na ilha grande, num alojamento muito antigo da uerj (pra la de bacana) em que ficamos por uma semana inteira num grupo de trabalho, não tinha peixe ou fruta no refeitório, tudo vinha enlatado ou ensacado do rio – e isso por que estávamos numa reserva ambiental, claro, em que o solo não podia ser cultivado. Entendo zero de proteção ambiental, ecossistemas, sustentabilidade, etc. mas me aflige tanto senso preservacionista aliado a mais rude artificialidade, que não deixa beber água potável de filtro de barro, comer comida crua e sim muita água mineral engarrafada industrialmente e macarrão com molho italiano empacotado em algum deposito na periferia de são paulo.
aqui em búzios tente achar fruta fresca num supermercado ou sacolao qualquer; antes de terminar sua procura você terá atravessado bueiros abertos, lodo nas calcadas, e vai sair do caixa carregando uma minguada sacola com uvas-passas, castanhas e seis macas garimpadas. fora da rede hoteleira e de fancy restaurants não existe vida, cada pequena rua dessa rica cidade não vive para si mas para mostrar-se, vive do pior turismo, esse que fazemos e deixamos fazer há 507 anos. gosto sempre de dizer que a região dos lagos (basta pensar na sobrevivência de um lugar como cabo frio, tomada por nos mineiros durante décadas e décadas) tem as praias mais bacanas do pais por que sobrevivem a brutalidade da ocupação. seu mar continua limpo e gelado, as areias conseguem ser limpas a cada manha; claro, o investimento e pesado quando se trata de receber retorno em dinheiro estrangeiro ou da província vizinha.
mas o olhar das pessoas daqui esta eivado de abandono, tem algo parecido com uma nodoa de fruta que começa a apodrecer, transparece um cansaço irremediável. Não há nenhum futuro num mundo urbano assim. E o rio e so um pedaço do pais, esse que a cada semana principia de novo e de novo a enfraquecer, numa corrupção que não estanca. Uma reportagem no globo de domingo dizia que a câmara de vereadores do rio de janeiro votou 159 projetos ou outro numero que o valha. Desses, mais de uma centena era para aprovar mudanças de nomes de rua e dar nomes aos dias do calendário. Dia disso, dia daquilo. Claro, o pais esta mesmo pronto. Do que mais precisamos nos ocupar?
Não sei mais onde li, uma vez, sobre simultâneos terror e o fascínio que sentiam os primeiros habitantes daqui, quando tinham de se despedir dos que voltavam a Portugal. Tinham a tal ponto medo da vastidão que os rodeava que era-lhes muitas vezes mais fácil fitar o oceano ate perder o navio de vista do que virar-se e encarar a floresta espessa; so o faziam depois de anoitecer , mas ai a mesma terra lhes chamava com seus ruídos densos e estranhos, com cheiros e gostos, suas paisagens hipnotizantes – tudo se convertia num mergulho em águas escuras, numa entrega incondicional. O rio de janeiro e assim ainda hoje, uma beleza que cega e que a tudo resume. Ate o dia em que o resto do pais inteirinho for como ele, uma lembranca da paisagem.
De resto, ju e flavio, vocês deveriam ter vindo me fazer companhia nessas tardes insuperáveis a beira-mar. Saudade.
Comments
difícil saber quando começou o abandono (se é que ele não existiu desde o início). Acho que ele sempre existiu, ocultado por uma inocência cega (tão carioca, é verdade). De qualquer forma, queria ter ido lá. O abandono aqui é escamoteado por outros encantos, que cegam, mas que são menos verdadeiros...
Abraços, Flávio.