rio de janeiro III - o protesto




DORA KRAMER: palavra de arquibancada

Lula não teve espírito esportivo e passou recibo ao reagir mal à vaia
Pior não foi a vaia. Ruim mesmo foi a combinação de falta de espírito esportivo do presidente Luiz Inácio da Silva, ausência de senso de realidade de seus áulicos e sabujice do cerimonial, que levaram Lula a passar um recibo diante do mundo: é intolerante com a divergência e não tem desenvoltura para enfrentar algo perfeitamente natural na vida de um homem público.
Não suporta a vaia e só transita bem em platéias treinadas para a aclamação.
Podia perfeitamente ter evitado passar para a história do Panamericano como o primeiro presidente, em 56 anos, a não abrir oficialmente os jogos.
Alega-se que o conselho a fuga ao cumprimento do dever - apelidado de 'quebra de protocolo' - teve o intuito de proteger o presidente de constrangimentos.
Se foi essa mesmo a intenção, conseguiu-se o efeito oposto, pois o constrangimento acabou sendo muito maior.
Vaiado seis vezes, se falasse, Lula enfrentaria a sétima, daria por iniciado o Pan e nada mais sobraria do episódio a não ser a óbvia e normalíssima constatação de que o Brasil não é governado por um fenômeno andante e, sobretudo, falante, mas por um homem em quem a população reconhece qualidades, mas não deixa também de enxergar seus defeitos.
Isso é espírito crítico, exercício saudável da contradição. Anormal mesmo é que nem o presidente nem sua assessoria ou mesmo seus aliados políticos tenham feito em momento algum uma concessão ao bom senso e imaginado que uma vaia - mesmo monumental - estaria perfeitamente dentro do roteiro.
Ainda mais em quadra da história particularmente infeliz para a relação entre Estado e sociedade, dada a rejeição geral ao mundo da política, do qual Lula era ali o representante mais vistoso.
Mas a lógica do tributo à egolatria como forma de governo obstrui os canais da percepção e como ocorreu na abertura do Pan, pega desprevenidos tanto o vaidoso quanto o bajulador.
Consulte-se a antologia de um especialista em natureza humana e se encontrará a frase de Nelson Rodrigues que, levada em conta com antecedência, livraria Lula da surpresa: 'No Maracanã vaia-se até minuto de silêncio e, se quiser acreditar, vaia-se até mulher nua.'
Pois, então, era de se imaginar, ao menos como possibilidade robusta, que alguma contestação pudesse ser feita naquele cenário a um presidente da República cujo partido, equipe, aliados, familiares protagonizam escândalos em série em governo de eficácia administrativa celebrada apenas na pirotecnia da auto-exaltação e ele próprio se dá ao desfrute de defender malfeitores de malfeitorias reconhecidas - como Severino Cavalcanti, para citar só um exemplo.
Por muitíssimo menos, Lula foi vaiado no velório de Leonel Brizola, no ambiente fechado do Palácio Guanabara, em junho de 2004, quando o único escândalo conhecido ainda era o de Waldomiro Diniz.
'O carioca é o único sujeito capaz de berrar confidências secretíssimas de uma calçada para a outra', dizia também o cronista de almas, contribuindo mais uma vez para a compreensão do episódio muito facilmente compreensível, embora o berro do Maracanã não tenha revelado confidências secretas e sim traduzido o devidamente sabido e dito em toda parte.
Mas, e as pesquisas?
Elas medem a popularidade genérica, refletem o efeito da presença de um personagem único em cena a atuar sem contraditório e com a força do uso do aparelho de Estado em prol do culto à personalidade.
Além do mais, se metade aprova o presidente nas pesquisas, metade não aprova.
Na sexta-feira, no Maracanã, certamente não havia só críticos do presidente, mas, assim como os apoios prevalecem na medição fria dos números, o barulho da vaia se sobrepõe a qualquer outro quando a manifestação ocorre ao sabor do anonimato da multidão, o ambiente de espontaneidade e o controle do oficialismo não exerce poder sobre o desenrolar da solenidade.
Após o ocorrido, as autoridades presentes tiveram o bom senso de economizar declarações para esperar a digestão das avaliações. A exceção foi o ministro dos Esportes, Orlando Silva.
Figura apagada no cenário governamental, o ministro perdeu excelente oportunidade de continuar calado. Deu o palpite de sempre, atribuindo tudo a uma 'orquestração'.
Isso falando de um público de 90 mil pessoas vindas de toda a parte da cidade, do País e das Américas, que pagaram ingressos de R$ 20 a R$ 250, que receberam convites e estavam ali para celebrar o esporte e se divertir.
E, de fato, se divertiram dentro do espírito da festa - sem ofensas, exercendo só o direito à barulhenta contestação. Nenhuma seriedade maior teria o episódio caso Lula não se sentisse ofendido e seus áulicos não errassem feio ao aconselhá-lo a se esconder atrás do biombo da omissão.
No mais, o espetáculo da abertura do Pan foi de competência exemplar. Exuberante, organizado, ao mesmo tempo técnico e despojado, brasileiríssimo, exibindo aquilo que o Brasil sabe fazer de melhor: um carnaval muito do profissional.

CLÓVIS ROSSI: Um risco no teflon
Diz a lenda que Luiz Inácio Lula da Silva é o teflon da política: nada gruda nele, nem escândalos, nem as bobagens que de vez em quando diz, nem inação administrativa, nada.
A seqüência de vaias na abertura do Pan mostra que a realidade é algo mais complexa do que diz a lenda. Tudo bem que o Rio de Janeiro sempre foi irreverente, sempre teve uma quedinha forte pelo oposicionismo, mas deixar um presidente da República pendurado no microfone sem a escada é um baita constrangimento, ainda mais quando mostrado ao vivo no horário nobre.
A realidade mais complexa que a lenda começa, aliás, com uma leitura menos ufanista (para o presidente) do resultado eleitoral. No primeiro turno, Lula teve 46,6 milhões em 125,9 milhões possíveis. Dá, portanto, 37%, índice ruim para uma hipotética Olimpíada de popularidade de governantes.
Significa que dois terços dos eleitores ou queriam outro presidente ou não tinham por Lula (ou por qualquer candidato) entusiasmo suficiente para movê-los a sair de casa para votar.
No segundo turno, Lula subiu para 58,2 milhões de votos, ainda assim abaixo da maioria absoluta (ficou com 46,2%).
Elegeu-se porque a regra -absolutamente legítima, aliás- leva em conta apenas os votos válidos.
É claro que a vaia não torna Lula impopular. Nem o constrangimento levá-lo-á a cortar os pulsos.
Seus áulicos na mídia e na academia até poderão criar mais uma teoria conspiratória debilóide e inventar que a elite comprou todos os ingressos da festa do Pan só para vaiar Lula. Pode até ser, mas aposto que em festa da Febraban ele jamais será vaiado.
Idiotices conspiratórias à parte, vale o fato de que a realidade é mais complicada do que sugerem a autolouvação e o culto à personalidade que se faz com Lula.

ELIANE CANTANHÊDE:A vaia
Nunca antes neste país, digo, nos Jogos Pan-Americanos, o presidente do país anfitrião foi tão vaiado e impedido de fazer o discurso de abertura como aconteceu com Lula no Maracanã. Seria um palanque para milhões no continente. O palanque ruiu.
Desde 1951, quando Perón abriu o primeiro Pan na Argentina, todos os presidentes fazem o discurso, não importa se Bush, da maior potência, ou Fidel, da isolada Cuba. Até nisso o Brasil é diferente.
Lula foi vaiado seis vezes, desde que botou o pé no estádio. Nem sua vibrante gravata vermelha desviava a atenção da expressão tensa, pesada. Chegou a pegar o microfone e as folhas do texto, mas simplesmente evaporou na hora do discurso. Um momento histórico.
O 13 de julho confirma a fama do Maracanã de vaiar sempre e mostra que o Rio de Janeiro continua lindo, irreverente e implacável. O Estado deu a Lula retumbantes vitórias (79% em 2002 e 70% em 2006) e uma das suas mais constrangedoras vaias em 2007. O Pan deveria ter sido no Nordeste...
O episódio ficará no ar, nas páginas e nos papos de gabinete e de botequim por um bom tempo, com discussões acaloradas, pró e contra, e um carnaval de versões tão coloridas quanto o próprio espetáculo. Lula desistiu do discurso? Um assessor decidiu preservá-lo de vaia maior? Ou Nuzman atropelou o protocolo? Mas são detalhes. O fundamental todo mundo viu.
Lula, seus assessores, seus endeusadores e seus demolidores devem abandonar por um tempo a paixão que cega para refletir sobre o fenômeno: como um presidente com mais de 60% de popularidade é vaiado numa festa sem fronteiras?
O temor é de um racha na sociedade, não tão grave, mas semelhante ao da Venezuela: aplausos dos pobres do Bolsa Família e do Nordeste, vaias da classe média e dos que podem pagar caro pelo Pan no Sul-Sudeste. Não é bom prenúncio.


Jânio de freitas:O monumento
UMA VAIA olímpica, vaia maracanã, o som gigantesco de dezenas de milhares de vozes soando como uma só, não é vaia. Nem é para qualquer um. Pode ser uma ou várias de muitas intenções. Pode ser desmistificação, ou advertência, arrependimento, pode ser decepção, tristeza, raiva, pode ser muita coisa. Em qualquer delas, é uma das manifestações mais grandiosas do ser humano.
O grande aplauso pode vir, e com maior frequência vem, de um entusiasmo momentâneo, de predisposição, da força das circunstâncias. A vaia, não. A vaia vem do fundo. De tão autêntica, torna-se autônoma e automática, a explosão instantânea de sentimentos intensos à simples aparição de uma imagem ou de um som. É isso que faz de toda vaia política um monumento histórico.
Lula já tem o seu monumento histórico. Foi justo que o recebesse do Rio, cidade e estado discriminados agressivamente, desde o primeiro momento do primeiro mandato de Lula, para prejudicar um possível (depois confirmado) adversário da reeleição.
Mas a vaia não veio de disputa eleitoral, muito ao contrário, porque a cidade também não é território afável com os Garotinho.
A vaia foi a sonoridade do mesmo sentimento que, na eleição passada, recusou a permanência de Lula e deixou o PT praticamente extinto na cidade e no estado. Foi vaia política, mas, sobretudo, vaia ao Lula que nasceu no Poder.
Na linguagem carioca, o Rio não é a praia de Lula.

Comments

Oi Rita, saudade sua! Aqui vai o verao, e eu vou escrevendo mesmo no verao, dureza, mas tem de ser. Pois eh, a historia da vaia, aqui, soou estranhissima. Mas jah passei por isso, como da vez que um jogador de futebol tripudiou de volta um comentario do presidente e deram razao ao jogador. Acho que a visao aqui eh a do simbolo que seria o representante de uma nacao, num cenario de jogos esportivos, onde as intolerancias politicas sao, ao menos nas aparencias, afastadas. A opiniao que tenho ouvido em pubs eh: vaia fora de hora. E sempre perguntam a seguir: "ele foi reeleito, nao foi?" Dificil explicar isso prum ingles. Um beijo em vc.
sam said…
onde fica o brasil onírico do lula? =)

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