retrato de brasília 1
JANIO DE FREITAS
Rio-Brasília
Minha contribuição à aventura de Brasília só me serviu para uma lembrança -raramente pessoal-neste dia de 50 anos
SE HOUVE, NINGUÉM notou, no dia 21 de abril há 50 anos, nem sequer um lamento carioca pela mudança da capital para as obras de Brasília. Não por indiferença, nem por satisfação. Só por absoluta falta de convicção entre as desvantagens para o Rio, acusadas sem maior seriedade pelos oposicionistas, e as vantagens proclamadas a granel, em geral, por interesse.
A farta proporção de funcionários federais, sob as incertezas de mudança, neutralizava-se com as promessas de compensações, de fato sedutoras para quase todos. As manifestações coletivas ficaram na falta de espontaneidade de umas festividades mal arranjadas a título de comemorar o estado nascente -Guanabara, a breve.
Juscelino engrandeceu-se muito com os ecos, no pós-ditadura, do seu desenvolvimentismo. Na época, os bastidores das suas obras entravam pouco na imprensa, quase nada mesmo. Mas o Rio, como sede do governo, sentia o esbanjamento tresloucado do dinheiro público, sobretudo para Brasília, a corrupção ramificada em toda a atividade. Essa percepção tomou, cada vez mais, formas políticas que se definiram e concretizaram, depois do sinal dado com a eleição de Jânio Quadros, na infecção que extinguiu todo sinal de vida democrática.
O argumento político brandido em favor da construção de Brasília, e de resposta impossível na época, era o de proporcionar tranquilidade institucional, ao retirar o governo da caldeira de fermentação golpista que era o Rio. Juscelino atribuía à cidade todo o problema histórico da instabilidade brasileira e da preponderância política dos militares.
Não chegou a quatro anos o intervalo entre a mudança para a capital imune e o pior de todos os golpes, com o qual, pela primeira vez desde o golpe da República, os militares se apropriaram de todo o poder. A capital da civilidade democrática passou quase metade da sua existência como cidadela da antidemocracia.
A aventura do desenvolvimentismo de Juscelino proliferou em uma infinidade de outras aventuras e respectivos gêneros pelo país afora. Uma delas, centrada no jornalismo carioca e logo espraiada para muitos centros. Nesse jornalismo, a mudança da capital foi uma aventura em si mesma na surpresa diária que era o novo "Jornal do Brasil" de então. Repete-se, nestes dias, uma história de que Juscelino telegrafou de Brasília para um engenheiro e articulista de "O Globo" como prova de que, na inauguração, a nova capital já dispunha das comunicações desacreditadas. Havia só um ramal para usos oficiais. Tudo era assim, até o candango que discursou na inauguração em nome dos operários era, no Rio, o barbeiro do poeta Augusto Frederico Schmidt, que escreveu o discurso.
Fazer o jornal da inauguração foi uma aventura. Planejamos uma Redação dentro de um avião fretado, e nele a numerosa equipe de repórteres veio escrevendo (a máquina) os originais de reportagem, enquanto no Rio apressávamos as páginas do noticiário normal nos cadernos diários. Com a chegada da equipe, começamos todo o trabalho da inauguração, que precisava ter a marca, também, da inovação, com a ajuda das velhas linotipos, dos tipos de anúncios classificados e da caduca impressora do princípio do século, com seus arames, elásticos e esparadrapos.
Era um dia tão aventureiro, que o "big boss", como orgulhava de se considerar, pôs-se a meu lado para ver, pela primeira vez, como se fazia o seu jornal. Ali, enquanto empurrava a edição, desenhei e escrevi a capa e a contracapa do especial da inauguração. Até que sua repercussão se perdesse no tempo, o texto ficou atribuído a Ferreira Gullar, que deixara a Redação havia mais de dois anos, e o desenho, ao artista Amílcar de Castro, que diagramava o interior do caderno. Minha contribuição à aventura de Brasília só me serviu para uma lembrança -raramente pessoal- neste dia de 50 anos.
Rio-Brasília
Minha contribuição à aventura de Brasília só me serviu para uma lembrança -raramente pessoal-neste dia de 50 anos
SE HOUVE, NINGUÉM notou, no dia 21 de abril há 50 anos, nem sequer um lamento carioca pela mudança da capital para as obras de Brasília. Não por indiferença, nem por satisfação. Só por absoluta falta de convicção entre as desvantagens para o Rio, acusadas sem maior seriedade pelos oposicionistas, e as vantagens proclamadas a granel, em geral, por interesse.
A farta proporção de funcionários federais, sob as incertezas de mudança, neutralizava-se com as promessas de compensações, de fato sedutoras para quase todos. As manifestações coletivas ficaram na falta de espontaneidade de umas festividades mal arranjadas a título de comemorar o estado nascente -Guanabara, a breve.
Juscelino engrandeceu-se muito com os ecos, no pós-ditadura, do seu desenvolvimentismo. Na época, os bastidores das suas obras entravam pouco na imprensa, quase nada mesmo. Mas o Rio, como sede do governo, sentia o esbanjamento tresloucado do dinheiro público, sobretudo para Brasília, a corrupção ramificada em toda a atividade. Essa percepção tomou, cada vez mais, formas políticas que se definiram e concretizaram, depois do sinal dado com a eleição de Jânio Quadros, na infecção que extinguiu todo sinal de vida democrática.
O argumento político brandido em favor da construção de Brasília, e de resposta impossível na época, era o de proporcionar tranquilidade institucional, ao retirar o governo da caldeira de fermentação golpista que era o Rio. Juscelino atribuía à cidade todo o problema histórico da instabilidade brasileira e da preponderância política dos militares.
Não chegou a quatro anos o intervalo entre a mudança para a capital imune e o pior de todos os golpes, com o qual, pela primeira vez desde o golpe da República, os militares se apropriaram de todo o poder. A capital da civilidade democrática passou quase metade da sua existência como cidadela da antidemocracia.
A aventura do desenvolvimentismo de Juscelino proliferou em uma infinidade de outras aventuras e respectivos gêneros pelo país afora. Uma delas, centrada no jornalismo carioca e logo espraiada para muitos centros. Nesse jornalismo, a mudança da capital foi uma aventura em si mesma na surpresa diária que era o novo "Jornal do Brasil" de então. Repete-se, nestes dias, uma história de que Juscelino telegrafou de Brasília para um engenheiro e articulista de "O Globo" como prova de que, na inauguração, a nova capital já dispunha das comunicações desacreditadas. Havia só um ramal para usos oficiais. Tudo era assim, até o candango que discursou na inauguração em nome dos operários era, no Rio, o barbeiro do poeta Augusto Frederico Schmidt, que escreveu o discurso.
Fazer o jornal da inauguração foi uma aventura. Planejamos uma Redação dentro de um avião fretado, e nele a numerosa equipe de repórteres veio escrevendo (a máquina) os originais de reportagem, enquanto no Rio apressávamos as páginas do noticiário normal nos cadernos diários. Com a chegada da equipe, começamos todo o trabalho da inauguração, que precisava ter a marca, também, da inovação, com a ajuda das velhas linotipos, dos tipos de anúncios classificados e da caduca impressora do princípio do século, com seus arames, elásticos e esparadrapos.
Era um dia tão aventureiro, que o "big boss", como orgulhava de se considerar, pôs-se a meu lado para ver, pela primeira vez, como se fazia o seu jornal. Ali, enquanto empurrava a edição, desenhei e escrevi a capa e a contracapa do especial da inauguração. Até que sua repercussão se perdesse no tempo, o texto ficou atribuído a Ferreira Gullar, que deixara a Redação havia mais de dois anos, e o desenho, ao artista Amílcar de Castro, que diagramava o interior do caderno. Minha contribuição à aventura de Brasília só me serviu para uma lembrança -raramente pessoal- neste dia de 50 anos.
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