mães são à flor da pele, é inevitável


hoje à tarde encontrei uma amiga de infância, eu indo levar a teo na escola, ela - que tem um filhote de quase dois anos- chegando pra trabalhar. de vez em quando a vejo, coincidem os horários, o carro estacionado numa vaga incorreta na frente do prédio, a gente gasta a meia hora seguinte colocando a vida em dia. não nos vemos mais que isso, até já tentamos programar um almoço que fosse semanal mas os ritmos da casa de cada uma nunca nos deixou. contei uns casos , eu, que ando feliz que nem pinto no lixo, e ela me disse - olha, não consigo ouvir histórias assim e não chorar, ando por um triz. e chorou. um choro suave, mal contido. eu acabei de contar meu caso,não por egoísmo ou por que ficasse impassível diante de uma fresta sentimental como aquela. é que eu reconheço isso, meu deus, parece que sou eu outro dia, estranhando que tudo me fizesse debulhar em lágrimas, uma vez deixei um senhor desconhecido tão desconcertado ao meu lado, que ele não resistiu e veio me perguntar , "menina, por que você chora tanto?" respondi que não se importasse, que eu tinha perdido a vergonha de chorar em público, desde que eu era mãe.
a prosaica verdade sobre se tornar mãe é que esse estado serve primeira e definitivamente para dar liberdade a um bicho que mora dentro de você, só aparentemente domesticado. não o bicho que explode de vez em quando, de ódio ou de desejo diante dos outros, mas o bicho de todo dia, o que luta pra não entrar nas roupas, pra não ignorar um faro poderoso, que responde a tudo com o corpo. rigorosamente tudo. então, em meio ao insulamento das casas onde se cria os filhos, um impulso que vem das vísceras te toma; como se aquele puxão antigo no estômago, que antes te dava quando você sentia medo, agora te pegasse a cada meia hora do dia.
um corpo de mulher - que é,diria camile paglia, natureza ctônica: agua, gordura e cheiro de peixe, circuitos e murmúrios secretos que não podem ser detidos nem acelerados - abandona para sempre a abstração a uma tal altura da vida.
você respeita o amorfo, o indeterminado e o incompleto por que eles são você: uma série de potencialidades incoordenáveis, apenas mantidas juntas por causa da epiderme social; somente reguladas por que submetidas a várias formas e regime de disciplina e treinamento.
gosto de chorar por que me desfaz. um desfazimento tão preciso que a cada vez que vejo aparecer nas mulheres ao meu redor, acolho - é um acontecimento óbvio - de tão natural; ao ponto de eu quase não compreender como é possível que reste tão invisível.
chorar resgata o corpo de permanecer como termo excluído - dá nome e espaço particulares a vidas tão civilizadamente ocidentais e disfarçadas de masculinas. eu, talvez à beira da idiossincrasia, tenho a impressão que vou atravessar a vida chorando como sorrio ou me enfureço - sem travo.

Comments

Lindo! Curiosamente, no mesmo dia, senti diametralmente oposto, hehehe! Beijo em voce!

Popular Posts