Quanto já teremos nós, arquitetos, pensado sobre a recusa dos habitantes
Se assumimos como premissas que as pessoas, ao viver nas grandes cidades, tornam-se mais e mais indiferentes aos lugares em que vivem, e que a recepção da arquitetura se dá inevitavelmente em meio aos ritmos da vida cotidiana, é preciso estabelecer fundamentos que permitam responder à questão: qual é a natureza dessa experiência da arquitetura? A experiência radical da imaginação? Ou a distração, às vezes apática, às vezes indiferente, da vida metropolitana[1]?
O problema da recepção na arquitetura é bastante conhecido nos termos em que o colocou Walter Benjamin[1], seja pela vigência atual do pensamento desse filósofo, seja pelas derivações que o tema da recepção na desatenção conhece[2]. Em Benjamin dá-se a vinculação entre recepção distraída, de que a obra de arquitetura é protótipo, e hábito, entendido esse último numa nova configuração para a situação de vida na metrópole[3].
É possível estabelecer, como hipótese, um paralelo entre a forma do hábito em Walter Benjamin e aquela que nos apresenta a fenomenologia[4] de Husserl, para quem hábito está vinculado ao conceito de mundo da vida. O objetivo da correlação entre tais vínculos (hábito/desatenção – hábito/mundo da vida) é compreender que papéis tais conceitos, vindos de filosofias diversas, desempenham na experimentação da obra.
Receber é experimentar algo que nos alcança através da obra, como espaço configurado e, assim, suportá-lo, acolhê-lo. Enfim, dele se apropriar. Entende-se, aqui, por apropriação, o modo de recepção das obras de arquitetura: os efeitos que as obras produzem sobre seus usuários e as modificações que estes, por sua vez, levam às obras.
Tendo surgido inicialmente no século XVIII como uma discussão sobre sentimentos que edifícios e jardins provocavam em pessoas, o ato da recepção em arquitetura foi desenvolvido nas Estéticas do Pitoresco e do Sublime, pela Filosofia do Empirismo Inglês, e na teoria francesa da arquitetura, por arquitetos como Laugier, Boffrand, Camus de Mezière. Naquele momento, num tipo de pensamento denominado por alguns autores como estética arquitetônica do relativismo, o foco estava na filosofia sensualista, e tomava o psicologismo empírico como base do prazer estético e da crítica de arte.
Entretanto, a importância das sensações para a teoria da arquitetura declinou ao longo do século XIX devido à predominância do pensamento racionalista, expresso sobretudo pela arquitetura das vanguardas na primeira metade do século XX. Desde então, as questões concernentes à recepção de edifícios e lugares têm sido abordadas segundo modos que subestimam a complexidade desta matéria.
A despeito de todo o questionamento recente da arquitetura funcionalista, as considerações sobre a recepção tem sido feitas tomando por fundamento a idéia de objetividade que tem distinguido a arquitetura do funcionalismo dos anos 20 até hoje.
Tais abordagens, a despeito de sua proximidade com as ciências humanas, frequentemente resultam em métodos de projeto reducionistas, nos quais os habitantes, determinados estatisticamente, tornam-se tipos de usuários (e apenas por isso já se denominariam tais métodos humanistas). Ali, habitantes não são outra coisa que pálidas reproduções, as quais não valem o esforço especulativo. Basta que pensemos, para saber de que métodos falamos, em obras como a de Geoffrey Broadbent, Architectural Design , onde é extensíssima a lista das ciências auxiliares à arquitetura[5], quando de trata de informar a atividade projetual com dados mensuráveis para a confecção da obra.
Não obstante estarem próximos da exaustão, esses métodos têm representado, para uma boa parte dos arquitetos, a única alternativa quando se trata de considerar habitantes em seus processos de criação de obras. A despeito disso, algo ali permanece intangível para os arquitetos.
Como, então, descrever a recepção e seus efeitos, sem convertê-los - uma vez mais - em (outros) dados? Como pensar essa experiência a partir da criação da obra arquitetônica permanece como pergunta. Escrever sobre formas de recepção da obra arquitetônica deve servir à crítica de métodos instrumentais de projetos.
Para a teoria atual da arquitetura é crucial retomar a questão a respeito da experiência dos habitantes explorando as condições da recepção da arquitetura. O que pode significar apropriação na arquitetura recente, quando a maioria das pessoas aceita passivamente o que revistas de decoração lhes diz para comprar? Como podem os arquitetos dizer algo sobre os usuários sem investigar por que as pessoas não se interessam pelos lugares em que vivem, ou por que as pessoas não cuidam de seus próprios lugares na cidade?
Se a arquitetura deve ser experimentada no contexto da vida cotidiana, com toda sua opacidade, ambiguidade e incompletude; se a arquitetura não deve ser experimentada como obras de arte em museus, com todos os bem-conhecidos riscos de ser transformada em consumo e exclusivismo; como deve agir o arquiteto que dizer algo a respeito da relevância e significação cultural da arquitetura para os habitantes do mundo contemporâneo?
Construídos na metrópole, ou por referência a ela numa cultura predominantemente urbana, os lugares se dão à percepção numa condição deanestesiamento dos sentidos:
“A multiplicação de homens, objetos e imagens promove a banalização, a perda da aura, originando uma nova percepção, uma nova sensibilidade, capaz de absorver as seqyuências de instantâneos, as imagens partidas, a intensa estimulação nervosa.”[6]
A metrópole, como ambiente que sustenta a experiência espacial humana, pode ser pensada como figuração das estruturas do mundo da vida husserliano. O conceito de mundo da vida (al. Lebenswelt) refere-se ao lugar onde se dá a totalidade das nossas experiências na vida cotidiana.
Ao tematizar o mundo da vida Hussel defende o regresso ao mundo que precede toda a conceitualização metafísica e científica. O mundo da vida é o universo intersubjetivo do qual emerge toda a atividade humana[7]. Na caracterização do mundo da vida Husserl opõe espaço geométrico e mundo circundante (al.Umwelt). O primeiro é espaço pensado, enquanto o espaço do mundo circundante, onde experimentamos corpos, é intuitivo. Não lidamos com corpos ideais geométricos, mas corpos cujo conteúdo é a experiência. O mundo circundante pode ser abrangido num olhar finito, nele não há tarefas infinitas, nem aquisições ideais, é extra-científico: “ uma tarefa e uma atividade do homem na finitude.”[8] O mundo da vida é um a priori concreto, condição da nossa existência, e sua estrutura é espaço-temporal[9].
Assim, se entendermos que a arquitetura se efetiva como ambiente que nos circunda ( e aqui a metrópole o pode exemplificar), ou seja, uma configuração espacial consolidada temporalmente, então a arquitetura é elemento desta estrutura apriorística. Neste sentido, a arquitetura é algo que ajuda a conformar o modo como nos relacionamos com as coisas do mundo.
Trazido o conceito de mundo da vida ao âmbito da arquitetura, é necessário caracterizar nele a forma da recepção da obra. No romance de Musil, Ulrich é O homem sem qualidades que, por volta de 1913, escolhe ser engenheiro, e em quem a metrópole, além do anestesiamento, produziu a fascinação pela técnica.
“ No momento em que iniciou o estudo de mecânica, Ulrich sentiu um entusiasmo febril. Para que se precisa do Apolo do Belvedere, se temos diante dos olhos novas formas de um turbo-dínamo ou o jogo de pistões de uma máquina a vapor? Quem se encantaria com a milenar conversa sobre o bem e o mal depois de constatar que não são ‘constantes’, mas ‘valores funcionais’, de forma que o valor das obras depende das circunstâncias históricas, e o valor das pessoas depende da habilidade psicotécnica com que avaliamos suas qualidades? O mundo é realmente cômico, analisado do ponto de vista da técnica; nada prático nas relações humanas, altamente anti-econômico e inexato em seus métodos; e quem estiver habituado a resolver seus problemas com uma regra de cálculo, simplesmente, não pode mais mais levar a sério metade das afirmações dos homens.”[10]
Contra o fascínio do cálculo, que transpira do texto de Musil, Husserl pensou o impreciso, o opaco: o mundo da vida, mundo de nós todos, o qual concebe como “terreno de antecedências”. É, assim o a priori das ciências, cujos resultados passam a integrar o mundo. Se o mundo da ciência é quantificação e objetivismo, formalização e tecnificação, o mundo da vida é a totalidade, o conjunto das experiências imediatas subjetivas, dotado de sentido e finalidade, pré-dado à explicitação conceitual, pré-predicativo.
Oposto à confirmação de uma idéia de ciência, o hábito demarca o terreno das ações humanas, e pode ser pensado , em Husserl, como aquilo o que estabelece a referência espacial. Habitual é o que antecede a reflexão e demarca a experiência da repetição. É o que se dá na experiência simples.
O Hábito faz pensar que a vida cotidiana esgota-se na vida administrada de indivíduos fráeis, mas é preciso avançar: o cotidiano é prático e simbólico, real e imaginário, evidente e contraditório. Próximo e distante, jamais é direto e sim precário e opaco. É preciso tematizar o cotidiano para além de suas hierarquias e formas de controle, e assim, avançar através da opacidade.
Para uma abordagem da recepção da arquitetura o conceito de vida cotidiana é central: permite explorar as diferenças e particularidades que demarcam o uso dos espaços. O termo vida cotidiana (e suas variações mundo cotidiano e mundo da vida cotidiano) traz à mente coisas do nosso ritmo diário: pode significar, literalmente, aquilo que nos acontece, repetidamente, num período de vinte e quatro horas. Entretanto, recentemente o termo vem ganhando importância na teoria da arquitetura por se tratar de um conceito caro à reflexão sobre o modo como pessoas se relacionam com lugares. Ao arquiteto que problematiza o universo das relações estabelecidas entre habitantes e os espaços de que se apropriam, é inevitável a prática da interpretação do cotidiano.
Ao cotidiano cabe “uma vaga racionalidade”, isso porque é o real em suas resistências e contradições, com sua comunicação difícil e distorcida. O mundo da vida se conserva em si vagamente, sua racionalidade se põe vagamente. Husserl distingue dois tipos de verdade, a científica e a verdade cotidiana, prática e situacional, relativa “mas exata no que a práxis, em seus projetos particulares, busca e necessita”[11]. O mundo cotidiano, pré-conceitual, é experiência cotidiana, cujo modo é subjetivo-relativo, conjugado.
“aos gestos repetidos, às hstórias silenciosas e como que esquecidas dos homens, às realidades de longa duração cujo peso foi imenso e o ruído, imperceptível."[12]
Podemos dizer do anestesiamento que marca o cotidiano, mas reconhecer o anestesiamento não o exclui do todo-o-dia de nossas vidas, nem tampouco podemos guardar diante do mundo uma atitude sempre distanciada , de crítica. O mundo cotidiano é o solo comum da vida: esse é o único mundo que nos é dado experimentar, e “não é preciso perguntar se nós percebemos verdadeiramente um mundo, o mundo é isso o que percebemos.”[13]
Os edifícios são complexos: à distância, não os vemos; e deles nada podemos saber se apenas os contemplamos. A obra de arquitetura exige que nos movamos por dentro daquilo que devemos compreender, por dentro do que queremos apreender. Estamos diretamente envolvidos e, ao mesmo tempo, somos transcendidos por aquilo em que nos envolvemos. Entretanto, que usuário investe emocionalmente no ambiente, antecipando e reagindo à sua conformação, para além do entretenimento visual?
Ulrich, porque era um cidadão próspero, comprara sua casa:
“quando, então, arrumou sua casa, como diz a bíblia, teve uma experiência pela qual na verdade estava esperando. Entregava-se à agradável atividade de organizar sua devastada propriedade a partir do zero, segundo seu próprio capricho. Desde a reconstrução em estilo puro até a arbitrariedade total, possuía todas as premissas para fazer o que quisesse, e na sua mente ofereciam-se todos os estilos, desde o assírio ao cubista. O que escolher?”[14]
Ulrich é alguém que sabe de si, para quem habitar sinifica Ter uma propriedade, e nela imprimir sua identidade, “segundo seu próprio capricho”. Mas, Ulrich não quer ter, com sua casa, a reversão de suas expectativas burguesas, e sim as experiências pelas quais passara a vida esperando. Educado esteticamente, sabe que pode garantir para si a liberdade de escolha: é o clienteconhecedor de livors e lojas, que arrasta-se às compras com requinte.
“O que escolher? O homem moderno nasce e morre numa clínica, portanto, também deve morar como numa clínica! Um arquiteto moderno acabava de estabelecer este postulado; outro decorador reformista exigia que se colocassem paredes móveis, dizendo que o homem, convivendo com outros, tinha de aprender a confiar, e não deveria confinar-se de maneira separatista. Naquele momento começara uma nova era (pois elas começam a todo o instante!) e uma nova era pedia um novo estilo. Para sorte de Ulrich, o castelinho, assim como estava, já constava de três estilos superpostos, de modo que não se podia obedecer a todas essas exigências; ainda assim ele se sentia instigado pela responsabilidade de organizar uma casa, e a ameaça ‘Dize-me como moras e eu te direi quem és’, que lera tantas vezes em revistas de arte, pairava sobre sua cabeça. Depois de muito se ocupar dessas revistas, decidiu que era melhor trabalhar pessoalmente na construção da sua personalidade, e começou a desenhar seus futuros móveis. Mas assim que imaginava uma forma impressionante e suntuosa, ocorria-lhe que em seu lugar podia colocar uma forma utilitária, técnica e menor; e quando desenhava uma despojada forma de concreto, lembrava-se das magras formas primaveris de uma menina de treze anos, e começava a sonhar em vez de tomar decisões. Bem o homem sem qualidades, que voltara a sua terra, deu também o segundo passo para se deixar modelar de fora, pelas condições da vida. Nesse momento, entregou a decoração de sua casa ao capricho dos fornecedores (...).”
Walter Gropius falava do cliente a que é preciso ensinar, pois “raramente consegue Ter mais do que uma vaga representação de seus deveres como proprietários”[15]. Os arquitetos de hoje já renunciaram a tal tarefa pedagógica, quanto mais não seja porque há revistas demais, que já vão nos substituíndo. E, nem de longe, soubemos o que significava, de fato, a atividade construtiva a que Hannes Meyer chamava “organização consciente dos processos da vida.”
Não obstante, esse usuário que carrega o anestesiamento da rua para sua casa quase não tem escolhas. Esse é o preço da vida transformada em entretenimento e usufruto de tecnologias. o usuário da arquitetura tornou-se inevitavelmente apático, mergulhado inevitavelmente na vida ubana cujo território é desmesuradamente grande. A metrópole, dispersiva, distanciou habitantes de suas habitações: “a cidade como tal não educa para uma fruição crítica no ‘relaxamento da atenção’, mas aproveita este último para condicionar as escolhas de utilização.”[16]
A tudo é possível fruir e imediatamente descartar. Nem a urgência dura mais do que o intervalo em que se tem as coisas à vista, as mesmas coisas tão inteligentemente requeridas. Mesmo Ulrich, um burguês em busca da felicidade, é um habitante que desaprendeu sobre si:
“(...)nesse momento entregou a decoração de sua casa ao capricho dos fornecedores, convencido de que cuidariam da tradição, dos preconceitos e limitações. Apenas renovou, pessoalmente linhas provindas de tempos remotos, as escuras galhadas de crevos sob as abóbadas brancas do pequeno vestíbulo, ou o severo teto do salão, e acrescentou tudo o que lheparecia útil ou confortável.
Quando estava tudo pronto, pôde balançar a cabeça e indagar-se: Então é isso que vai ser a minha vida?”[17]
As escolhas de utilização estão para sempre condicionadas; parece ser esse o único epílogo possível. Cidadãos que consomem para retirar do consumo o que lhe foi regrado para a conduta. Profissionais que lhes dão sempre mais do mesmo: “tradição, preconceitos, limitações”, limiares seguros de ações para o que já é. Há renovação e identidade possíveis para as casas, os edifícios?
Mesmo a nostalgia sabe da própria ingenuidade. Escolher o útil, o antigo, o confortável equivale a não ser relevante: senão porque já não interfere ou tem relevo, mas porque se trata de apenas ligar/desligar, jamais de saber como funciona.
Em alguns autores/arquitetos, aos habitantes foi dada uma importância decisiva, ainda que cada um deles tenha desenvolvido seu modo próprio de considerá-los. Os três momentos aqui escolhidos têm em comum o fato de terem contribuído para elucidar problemas da moderna recepção em arquitetura. Somadas, suas contribuições permitem traçar um mapa do modo como a arquitetura tem sido experimentada na metrópole. Piranesi provocou reações de estranhamento diante da idéia estabelecida de Antiguidade Clássica: compelia seu público a reagir diante da idéia de História, a duvidar do conhecimento, mostrando que fragmento é tudo que pode ser aprendido sobre o passado. Benjamin descreveu de modo único a vida dos habitantes numa grande cidade. Seu trabalho nos faz ver o efeito da arquitetura de um modo tão acurado, como jamais um arquiteto foi capaz de fazer.
E, finalmente, por que o meu foco está sobre as implicações entre vida e arquitetura nas grandes cidades, examinarei os experimentos dos Situacionistas. Os textos e obras de Constant, Gilles Ivain e Debord contém uma crítica muito especial da forma de vida que resulta da arquitetura funcionalista. Suas obras são desenvolvidas para um período peculiar da nossa cultura e num momento decisivo da história da arquitetura. Entendo que um estudo rigoroso desses eventos ao redor de 1968 nos levará a compreender um pouco mais sobre os modos pelos quais as pessoas tornam-se conscientes dos efeitos que os espaços causam nelas.
John Hedjuk
John Hedjuk trabalhou, durante toda sua vida, uma mesma obra, na qual imprimiu variações numerosas. Montando e desmontando casas imaginárias em cubos, espinhos, geometrias, monstros, cinzas ou linhas retas, inventou, para cada uma dessas, pequenas narrativas de personagens que ali vivessem.
Uma dessas personagens, em particular, salta aos olhos quando se estuda aqueles desenhos: The Inhabitant who refused to participate. Em se tratando de Hedjuk, não foi nenhuma surpresa encontrar nada além de desenhos e um nome, um título. Silencioso, esse foi um autor de poucas explicações. Restava a pergunta: Contra o que reagira esse usuário? Em que pensava o arquiteto ao imaginá-lo? Quem é esse habitante? Em que ele não participa? Não conta ao arquiteto o que deseja, ou não distingue o que deseja? A que reage? Aos efeitos da obra, que lhe são nocivos? Pelo contrário, a obra não teria causado efeito algum sobre si? Sacudido, teria se mantido ausente?
Koolhaas
Dois dos trabalhos de Rem Koolhaas, o Exodus, ou os prisioneiros voluntários da arquitetura (1972) e Delirious New York (1972-1976) têm, a meu ver, a recepção como estratégia de reflexão para a criação. Em ambos, a experiência da vida urbana é transposta para a experimentação do espaço nos edifício. Koolhaas explicita ali a contradição funcional que é a vida na cidade, produto do que ele chama “cultura da congestão”. Os lugares são criados como crítica à forma sedimentada da cidade e essa crítica resultará em espaços jamais experimentados senão em situações limites: no Exodus, o delírio lisérgico, a orgia sexual, o esgotamento das forças físicas, a exaustão mental. Em Delirious... a contradição entre o desenho da cidade e o resgate das narrativas míticas, trazidas a um lugar onde já não são nem mais vestígio (o leito de Procusto, a história da piscina). Koolhaas explicita ali o “quanto a cidade é o lugar mais adequado para documentar a maneira pela qual o artificial substituiria o natural.”[18] A vida na metrópole, nos dois exemplos, é posta às claras: em vez de dissimular uma condição, vivê-la até o fim. Esses são exercícios teóricos importantes pois discutem o efeito que se espera da obra. Da acomodação de uma percepção desatenta, o usuário é levado a reagir, responder.
Coop Himmelb(L)au
Dois textos do Coop Himmelb(L)au apontam para a criação cujo fim é o impacto dos usuários. No primeiro deles, entitulado “A arquitetura deve arder”, diziam “Estamos cansados de ver Palladio e outras máscaras históricas porque não queremos que a arquitetura exclua tudo o que é inquietante.”[19] Noutro, “A poética da desolação”,
“Se há uma poética da desolação, então esta é uma estética da arquitetura envolta em lençois brancos. A morte em cômodos de hospital azulejados . A arquitetura da morte súbita sobre o chão pavimentado. A morte de uma caixa toráxica penetrada por uma coluna. A trajetória de uma bala através da cabeça de um traficante na rua 42. A estética da arquitetura do bisturi afiado do cirurgião. A estética do sexo dos filmes para espectadores em caixas de plático lavável. Das linguas rompidas, rasgadas e dos olhos secos. E assim é como devem ser os edifícios. Desagradáveis, rudes, penetrados. Ardentes. Como um anjo levantado da morte.”
O encontro com a obra - embate ou acolhida- é, sempre, um diálogo. Como colocar na obra o que se espera desse diálogo? O mundo que a obra é, é constituído de sentido por mim, habitante, mas unicamente no prévio horizonte da compreensão de ‘meu mundo’ ou mundo da vida que necessita de uma interpretação temática. Toda experiência individual, toda percepção individual, está co-determinada por suas imediações.
Como fazer com que o usuário se detenha diante da situação que a obra lhe apresenta?
Experiência pressupõe um horizonte, ou seja, o conjunto daquilo que no conhecimento individual tematico é percebido ou antecipado atematicamente, as expectativas que cada usuário traz consigo. Toda experiência tem a estrutura do horizonte, na medida em que é determinada por um saber prévio, de novos conteúdos que ainda não chegaram a ser dados tematicamente. O horizonte é um conhecimento prévio não totalmente determinado quanto a seu conteúdo, mas não totalmente vazio –“um desconhecimento é ao mesmo tempo um modo de conhecimento”.
Se cada momento da experiência da obra resultar em apreensões diversas, articuladas entre si, seja pela reversão ou confirmação das expectativas, a recepção das obras no mundo da vida pode se tornar produtiva, não somente reprodutiva, repetitiva. Cada momento de experimentação dos espaços, articulados, podem criar uma combinação intrínseca de perspectivas diferenciadas, seja de horizontes de memórias, de modificações presentes ou de futuras expectativas:
Se o lugar da arquitetura não é o do espetáculo, da vertigem de profusão de imagens, mas o da acomodação do olhar e do corpo pela familiaridade adquirida, a obra deve legar ao usuário uma pergunta, expô-lo ao impasse de não saber como proceder mas querer desvendar. A razão da arquitetura está na sua imediatez , sua capacidade para articular a vida em sua circunstância. [20]
É preciso garantir um certo reconhecimento: o estranho que desperte os sentidos, fazendo querer experimentar o espaço. Jauss chama a essa forma da obra de “obra distante do público”[21], aquela que é experientada sob um novo modo de percepção, “com um início de prazer ou estranhamento.”
Afinal, a obra de arquitetura precisa provocar a imaginação, ainda que, inicialmente, deva estar conectada ao horizonte do mundo da vida do usuário; é preciso que provoque prazer ou estranhamento, para que a seguir e pelo uso, essa experiência vá se somar ao horizonte de suas expectativas, reconfigurando-o, quando o estranhamento já se tiver tornado hábito. Ou recusa, como a personagem de Hedjuk. Este, talvez, tivesse a dizer de si o mesmo que o habitante da Nova York de Paul Auster que volta à casa depois de, por semanas, morar num beco entre dois arranha-céus e sobreviver:[22]
“Parece-me que estarei sempre no lugar onde não estou. Ou, simplesmente, onde quer que eu não esteja é exatamente onde estou. (...) em qualquer lugar, fora do mundo”.
As questões que este trabalho coloca são dirigidas tanto à teoria quanto à história da arquitetura, devendo ali ser respondidas, mas o principal interesse de uma pesquisa como esta é retornar à atividade de projeto, pois conhecer de maneira acurada os usuários e suas demandas, bem como seus modos de viver nos lugares, deve configurar, para o processo de feitura do projeto arquitetônico, uma possibilidade de reflexão, pelo arquiteto, sobre a efetiva produção do ambiente, no que respeita à permanência da obra no mundo da vida.
Pensar as formas de recepção de uma obra deve nos levar aos efeitos que esta provoca; deve servir à compreensão do modo como e até onde a feitura da obra controla os efeitos que esta produzirá. A consideração das situações de recepção das obras pelos habitantes possibilita ao arquiteto, em seu processo de criação, conferir à obra uma abertura tal que esta exija o seu acabamento pelo usuário. Ou seja, uma teoria da recepção da obra de arquitetura deve reconduzir às premissas do projeto, e pensar o usuário como uma terceira instância, para além da obra a ser criada e seu autor; uma teoria que permita fazer o arquiteto incluir de modo amplo o usuário no processo de criação.
[1] Para efeitos deste texto, ao fazer a descrição e caracterização do processo de recepção da obra de arquitetura parti de uma matriz filosófica, a fenomenologia de Husserl, e tomo seus desdobramentos nas teorias da Recepção de H.R.Jauss e Efeito Estético de W. Iser. Também são orientações desse trabalho os textos de Walter Benjamin acerca da recepção da arquitetura. Busquei desenvolver o argumento do texto a partir de discutindo exemplos vindos da própria arquitetura, tomando o discurso dos arquitetos sobre a forma como viam suas obras e, por vezes, seus usuários, e da literatura ficcional, recolhendo alguns personagens envolvidos de algum modo com a arquitetura, fosse a experiência dos edíficios ou das cidades.
[2] A primeira vez em que ouvi falar dessa forma de percepção da obra arquitetônica foi no texto de Umberto Eco, A Estrutura Ausente, cujo pensamento, voltado à semiologia em muito dista das direções da filosofia de Benjamin. Eco a chamava “fruição na desatenção”.
[3] Walter Benjamin, “A Obra de Arte à Época de sua Reprodutibilidade Técnica”, onde lemos: “a recepção tátil sucede não tanto através da atenção, como através do hábito”. Cf. ps. 108-110.
[4] Leituras de Husserl para esse texto: “Philosophy in the Crisis of European Mankind.”(Conferência de Viena, 7-10/maio/1935); The Crisis of European Sciences and Transcendental Phenomenology, 1937,(parte III, Seção A: “The Way into phenomenological Transcendental Philosophy by inquiring back from the Pregiven Life-world, §28-55); “The origin of Geometry”, 1936; “The Life-World and the World of Science, 1937; “Objectivity and the world of experience, 1936.
[5] Cf. Broadbent,G. Architectural Design: Architecture and Human Sciences, ps. 93-94. O autor elenca as ciências que “podem oferecer ao arquiteto informações úteis”: anatomia, antropologias física, social e estrutural, antropometria, arqueologia, demografia, ecologia humana, ergonomia, etnografia, etnologia, etologia, fisiologia, linguística, parapsicologia (!),, psicanálise, psicologia, psicologia social, psiquiatria, sociologia.
[6] Walter Benjamin, Charles Baudelaire, um lírico no auge do Capitalismo.
[7] E onde se configura a situação do sujeito na relação intencional com um contexto histórico-social que envolve o sujeito cognoscente e o objeto conhecido.
[8] Husserl, The Crisis ..., § 34.
[9] Husserl, The Crisis ..., § 37.
[10] Robert Musil, O Homem sem Qualidades, 27.
[11] Husserl, The Crisis..., parte III, §34, f., p.132.
[12] Fernand Braudel, As Estruturas do Cotidiano,... .O termo vida cotidiana surge do movimento de transformação das relações sociais, desde o século XVIII. Alki o termo começa a tomar seus contornos atuais, redefinindo duas forma e conteúdos. É no século XVIII que podemos já falar em arquitetura de interiores, dos lugares de moradia. A separação vida social-vida privada data do século XVIII, quando a esfera do privado emerge no ocidente. Vida pública é vida social, esfera dos espaços de produção das condições materiais da vida. Vida privada refer-se à autonomia da vida familiar, o espaço doméstico, esfera da reprodução da existência.
[13] Merleau-Ponty, apud Nunes, Benedito, ‘Fenomenologia e Experiência estética”, in: No tempo do Niilismo, 64.
[14] Robert Musil, O Homem sem Qualidades, 17.
[15] Gropius, Bauhaus:novarquitetura, 213.
[16] Manfredo Tafuri, Teorias...
[17] Robert Musil, O Homem sem Qualidades, 27.
[18] Rem Koolhaas, Quaderns, 175, 12/97
[19]respectivamente, 1978 e 1980.
[20] Alberto Pérez-Gómez, Prefácio in: Steven Holl, El Croquis, 1999, 20.
[21] Jauss, História da literatura como provocação..., 32.
[22] Paul Auster, Trilogia de Nova York, 125.
O problema da recepção na arquitetura é bastante conhecido nos termos em que o colocou Walter Benjamin[1], seja pela vigência atual do pensamento desse filósofo, seja pelas derivações que o tema da recepção na desatenção conhece[2]. Em Benjamin dá-se a vinculação entre recepção distraída, de que a obra de arquitetura é protótipo, e hábito, entendido esse último numa nova configuração para a situação de vida na metrópole[3].
É possível estabelecer, como hipótese, um paralelo entre a forma do hábito em Walter Benjamin e aquela que nos apresenta a fenomenologia[4] de Husserl, para quem hábito está vinculado ao conceito de mundo da vida. O objetivo da correlação entre tais vínculos (hábito/desatenção – hábito/mundo da vida) é compreender que papéis tais conceitos, vindos de filosofias diversas, desempenham na experimentação da obra.
Receber é experimentar algo que nos alcança através da obra, como espaço configurado e, assim, suportá-lo, acolhê-lo. Enfim, dele se apropriar. Entende-se, aqui, por apropriação, o modo de recepção das obras de arquitetura: os efeitos que as obras produzem sobre seus usuários e as modificações que estes, por sua vez, levam às obras.
Tendo surgido inicialmente no século XVIII como uma discussão sobre sentimentos que edifícios e jardins provocavam em pessoas, o ato da recepção em arquitetura foi desenvolvido nas Estéticas do Pitoresco e do Sublime, pela Filosofia do Empirismo Inglês, e na teoria francesa da arquitetura, por arquitetos como Laugier, Boffrand, Camus de Mezière. Naquele momento, num tipo de pensamento denominado por alguns autores como estética arquitetônica do relativismo, o foco estava na filosofia sensualista, e tomava o psicologismo empírico como base do prazer estético e da crítica de arte.
Entretanto, a importância das sensações para a teoria da arquitetura declinou ao longo do século XIX devido à predominância do pensamento racionalista, expresso sobretudo pela arquitetura das vanguardas na primeira metade do século XX. Desde então, as questões concernentes à recepção de edifícios e lugares têm sido abordadas segundo modos que subestimam a complexidade desta matéria.
A despeito de todo o questionamento recente da arquitetura funcionalista, as considerações sobre a recepção tem sido feitas tomando por fundamento a idéia de objetividade que tem distinguido a arquitetura do funcionalismo dos anos 20 até hoje.
Tais abordagens, a despeito de sua proximidade com as ciências humanas, frequentemente resultam em métodos de projeto reducionistas, nos quais os habitantes, determinados estatisticamente, tornam-se tipos de usuários (e apenas por isso já se denominariam tais métodos humanistas). Ali, habitantes não são outra coisa que pálidas reproduções, as quais não valem o esforço especulativo. Basta que pensemos, para saber de que métodos falamos, em obras como a de Geoffrey Broadbent, Architectural Design , onde é extensíssima a lista das ciências auxiliares à arquitetura[5], quando de trata de informar a atividade projetual com dados mensuráveis para a confecção da obra.
Não obstante estarem próximos da exaustão, esses métodos têm representado, para uma boa parte dos arquitetos, a única alternativa quando se trata de considerar habitantes em seus processos de criação de obras. A despeito disso, algo ali permanece intangível para os arquitetos.
Como, então, descrever a recepção e seus efeitos, sem convertê-los - uma vez mais - em (outros) dados? Como pensar essa experiência a partir da criação da obra arquitetônica permanece como pergunta. Escrever sobre formas de recepção da obra arquitetônica deve servir à crítica de métodos instrumentais de projetos.
Para a teoria atual da arquitetura é crucial retomar a questão a respeito da experiência dos habitantes explorando as condições da recepção da arquitetura. O que pode significar apropriação na arquitetura recente, quando a maioria das pessoas aceita passivamente o que revistas de decoração lhes diz para comprar? Como podem os arquitetos dizer algo sobre os usuários sem investigar por que as pessoas não se interessam pelos lugares em que vivem, ou por que as pessoas não cuidam de seus próprios lugares na cidade?
Se a arquitetura deve ser experimentada no contexto da vida cotidiana, com toda sua opacidade, ambiguidade e incompletude; se a arquitetura não deve ser experimentada como obras de arte em museus, com todos os bem-conhecidos riscos de ser transformada em consumo e exclusivismo; como deve agir o arquiteto que dizer algo a respeito da relevância e significação cultural da arquitetura para os habitantes do mundo contemporâneo?
Construídos na metrópole, ou por referência a ela numa cultura predominantemente urbana, os lugares se dão à percepção numa condição deanestesiamento dos sentidos:
“A multiplicação de homens, objetos e imagens promove a banalização, a perda da aura, originando uma nova percepção, uma nova sensibilidade, capaz de absorver as seqyuências de instantâneos, as imagens partidas, a intensa estimulação nervosa.”[6]
A metrópole, como ambiente que sustenta a experiência espacial humana, pode ser pensada como figuração das estruturas do mundo da vida husserliano. O conceito de mundo da vida (al. Lebenswelt) refere-se ao lugar onde se dá a totalidade das nossas experiências na vida cotidiana.
Ao tematizar o mundo da vida Hussel defende o regresso ao mundo que precede toda a conceitualização metafísica e científica. O mundo da vida é o universo intersubjetivo do qual emerge toda a atividade humana[7]. Na caracterização do mundo da vida Husserl opõe espaço geométrico e mundo circundante (al.Umwelt). O primeiro é espaço pensado, enquanto o espaço do mundo circundante, onde experimentamos corpos, é intuitivo. Não lidamos com corpos ideais geométricos, mas corpos cujo conteúdo é a experiência. O mundo circundante pode ser abrangido num olhar finito, nele não há tarefas infinitas, nem aquisições ideais, é extra-científico: “ uma tarefa e uma atividade do homem na finitude.”[8] O mundo da vida é um a priori concreto, condição da nossa existência, e sua estrutura é espaço-temporal[9].
Assim, se entendermos que a arquitetura se efetiva como ambiente que nos circunda ( e aqui a metrópole o pode exemplificar), ou seja, uma configuração espacial consolidada temporalmente, então a arquitetura é elemento desta estrutura apriorística. Neste sentido, a arquitetura é algo que ajuda a conformar o modo como nos relacionamos com as coisas do mundo.
Trazido o conceito de mundo da vida ao âmbito da arquitetura, é necessário caracterizar nele a forma da recepção da obra. No romance de Musil, Ulrich é O homem sem qualidades que, por volta de 1913, escolhe ser engenheiro, e em quem a metrópole, além do anestesiamento, produziu a fascinação pela técnica.
“ No momento em que iniciou o estudo de mecânica, Ulrich sentiu um entusiasmo febril. Para que se precisa do Apolo do Belvedere, se temos diante dos olhos novas formas de um turbo-dínamo ou o jogo de pistões de uma máquina a vapor? Quem se encantaria com a milenar conversa sobre o bem e o mal depois de constatar que não são ‘constantes’, mas ‘valores funcionais’, de forma que o valor das obras depende das circunstâncias históricas, e o valor das pessoas depende da habilidade psicotécnica com que avaliamos suas qualidades? O mundo é realmente cômico, analisado do ponto de vista da técnica; nada prático nas relações humanas, altamente anti-econômico e inexato em seus métodos; e quem estiver habituado a resolver seus problemas com uma regra de cálculo, simplesmente, não pode mais mais levar a sério metade das afirmações dos homens.”[10]
Contra o fascínio do cálculo, que transpira do texto de Musil, Husserl pensou o impreciso, o opaco: o mundo da vida, mundo de nós todos, o qual concebe como “terreno de antecedências”. É, assim o a priori das ciências, cujos resultados passam a integrar o mundo. Se o mundo da ciência é quantificação e objetivismo, formalização e tecnificação, o mundo da vida é a totalidade, o conjunto das experiências imediatas subjetivas, dotado de sentido e finalidade, pré-dado à explicitação conceitual, pré-predicativo.
Oposto à confirmação de uma idéia de ciência, o hábito demarca o terreno das ações humanas, e pode ser pensado , em Husserl, como aquilo o que estabelece a referência espacial. Habitual é o que antecede a reflexão e demarca a experiência da repetição. É o que se dá na experiência simples.
O Hábito faz pensar que a vida cotidiana esgota-se na vida administrada de indivíduos fráeis, mas é preciso avançar: o cotidiano é prático e simbólico, real e imaginário, evidente e contraditório. Próximo e distante, jamais é direto e sim precário e opaco. É preciso tematizar o cotidiano para além de suas hierarquias e formas de controle, e assim, avançar através da opacidade.
Para uma abordagem da recepção da arquitetura o conceito de vida cotidiana é central: permite explorar as diferenças e particularidades que demarcam o uso dos espaços. O termo vida cotidiana (e suas variações mundo cotidiano e mundo da vida cotidiano) traz à mente coisas do nosso ritmo diário: pode significar, literalmente, aquilo que nos acontece, repetidamente, num período de vinte e quatro horas. Entretanto, recentemente o termo vem ganhando importância na teoria da arquitetura por se tratar de um conceito caro à reflexão sobre o modo como pessoas se relacionam com lugares. Ao arquiteto que problematiza o universo das relações estabelecidas entre habitantes e os espaços de que se apropriam, é inevitável a prática da interpretação do cotidiano.
Ao cotidiano cabe “uma vaga racionalidade”, isso porque é o real em suas resistências e contradições, com sua comunicação difícil e distorcida. O mundo da vida se conserva em si vagamente, sua racionalidade se põe vagamente. Husserl distingue dois tipos de verdade, a científica e a verdade cotidiana, prática e situacional, relativa “mas exata no que a práxis, em seus projetos particulares, busca e necessita”[11]. O mundo cotidiano, pré-conceitual, é experiência cotidiana, cujo modo é subjetivo-relativo, conjugado.
“aos gestos repetidos, às hstórias silenciosas e como que esquecidas dos homens, às realidades de longa duração cujo peso foi imenso e o ruído, imperceptível."[12]
Podemos dizer do anestesiamento que marca o cotidiano, mas reconhecer o anestesiamento não o exclui do todo-o-dia de nossas vidas, nem tampouco podemos guardar diante do mundo uma atitude sempre distanciada , de crítica. O mundo cotidiano é o solo comum da vida: esse é o único mundo que nos é dado experimentar, e “não é preciso perguntar se nós percebemos verdadeiramente um mundo, o mundo é isso o que percebemos.”[13]
Os edifícios são complexos: à distância, não os vemos; e deles nada podemos saber se apenas os contemplamos. A obra de arquitetura exige que nos movamos por dentro daquilo que devemos compreender, por dentro do que queremos apreender. Estamos diretamente envolvidos e, ao mesmo tempo, somos transcendidos por aquilo em que nos envolvemos. Entretanto, que usuário investe emocionalmente no ambiente, antecipando e reagindo à sua conformação, para além do entretenimento visual?
Ulrich, porque era um cidadão próspero, comprara sua casa:
“quando, então, arrumou sua casa, como diz a bíblia, teve uma experiência pela qual na verdade estava esperando. Entregava-se à agradável atividade de organizar sua devastada propriedade a partir do zero, segundo seu próprio capricho. Desde a reconstrução em estilo puro até a arbitrariedade total, possuía todas as premissas para fazer o que quisesse, e na sua mente ofereciam-se todos os estilos, desde o assírio ao cubista. O que escolher?”[14]
Ulrich é alguém que sabe de si, para quem habitar sinifica Ter uma propriedade, e nela imprimir sua identidade, “segundo seu próprio capricho”. Mas, Ulrich não quer ter, com sua casa, a reversão de suas expectativas burguesas, e sim as experiências pelas quais passara a vida esperando. Educado esteticamente, sabe que pode garantir para si a liberdade de escolha: é o clienteconhecedor de livors e lojas, que arrasta-se às compras com requinte.
“O que escolher? O homem moderno nasce e morre numa clínica, portanto, também deve morar como numa clínica! Um arquiteto moderno acabava de estabelecer este postulado; outro decorador reformista exigia que se colocassem paredes móveis, dizendo que o homem, convivendo com outros, tinha de aprender a confiar, e não deveria confinar-se de maneira separatista. Naquele momento começara uma nova era (pois elas começam a todo o instante!) e uma nova era pedia um novo estilo. Para sorte de Ulrich, o castelinho, assim como estava, já constava de três estilos superpostos, de modo que não se podia obedecer a todas essas exigências; ainda assim ele se sentia instigado pela responsabilidade de organizar uma casa, e a ameaça ‘Dize-me como moras e eu te direi quem és’, que lera tantas vezes em revistas de arte, pairava sobre sua cabeça. Depois de muito se ocupar dessas revistas, decidiu que era melhor trabalhar pessoalmente na construção da sua personalidade, e começou a desenhar seus futuros móveis. Mas assim que imaginava uma forma impressionante e suntuosa, ocorria-lhe que em seu lugar podia colocar uma forma utilitária, técnica e menor; e quando desenhava uma despojada forma de concreto, lembrava-se das magras formas primaveris de uma menina de treze anos, e começava a sonhar em vez de tomar decisões. Bem o homem sem qualidades, que voltara a sua terra, deu também o segundo passo para se deixar modelar de fora, pelas condições da vida. Nesse momento, entregou a decoração de sua casa ao capricho dos fornecedores (...).”
Walter Gropius falava do cliente a que é preciso ensinar, pois “raramente consegue Ter mais do que uma vaga representação de seus deveres como proprietários”[15]. Os arquitetos de hoje já renunciaram a tal tarefa pedagógica, quanto mais não seja porque há revistas demais, que já vão nos substituíndo. E, nem de longe, soubemos o que significava, de fato, a atividade construtiva a que Hannes Meyer chamava “organização consciente dos processos da vida.”
Não obstante, esse usuário que carrega o anestesiamento da rua para sua casa quase não tem escolhas. Esse é o preço da vida transformada em entretenimento e usufruto de tecnologias. o usuário da arquitetura tornou-se inevitavelmente apático, mergulhado inevitavelmente na vida ubana cujo território é desmesuradamente grande. A metrópole, dispersiva, distanciou habitantes de suas habitações: “a cidade como tal não educa para uma fruição crítica no ‘relaxamento da atenção’, mas aproveita este último para condicionar as escolhas de utilização.”[16]
A tudo é possível fruir e imediatamente descartar. Nem a urgência dura mais do que o intervalo em que se tem as coisas à vista, as mesmas coisas tão inteligentemente requeridas. Mesmo Ulrich, um burguês em busca da felicidade, é um habitante que desaprendeu sobre si:
“(...)nesse momento entregou a decoração de sua casa ao capricho dos fornecedores, convencido de que cuidariam da tradição, dos preconceitos e limitações. Apenas renovou, pessoalmente linhas provindas de tempos remotos, as escuras galhadas de crevos sob as abóbadas brancas do pequeno vestíbulo, ou o severo teto do salão, e acrescentou tudo o que lheparecia útil ou confortável.
Quando estava tudo pronto, pôde balançar a cabeça e indagar-se: Então é isso que vai ser a minha vida?”[17]
As escolhas de utilização estão para sempre condicionadas; parece ser esse o único epílogo possível. Cidadãos que consomem para retirar do consumo o que lhe foi regrado para a conduta. Profissionais que lhes dão sempre mais do mesmo: “tradição, preconceitos, limitações”, limiares seguros de ações para o que já é. Há renovação e identidade possíveis para as casas, os edifícios?
Mesmo a nostalgia sabe da própria ingenuidade. Escolher o útil, o antigo, o confortável equivale a não ser relevante: senão porque já não interfere ou tem relevo, mas porque se trata de apenas ligar/desligar, jamais de saber como funciona.
Em alguns autores/arquitetos, aos habitantes foi dada uma importância decisiva, ainda que cada um deles tenha desenvolvido seu modo próprio de considerá-los. Os três momentos aqui escolhidos têm em comum o fato de terem contribuído para elucidar problemas da moderna recepção em arquitetura. Somadas, suas contribuições permitem traçar um mapa do modo como a arquitetura tem sido experimentada na metrópole. Piranesi provocou reações de estranhamento diante da idéia estabelecida de Antiguidade Clássica: compelia seu público a reagir diante da idéia de História, a duvidar do conhecimento, mostrando que fragmento é tudo que pode ser aprendido sobre o passado. Benjamin descreveu de modo único a vida dos habitantes numa grande cidade. Seu trabalho nos faz ver o efeito da arquitetura de um modo tão acurado, como jamais um arquiteto foi capaz de fazer.
E, finalmente, por que o meu foco está sobre as implicações entre vida e arquitetura nas grandes cidades, examinarei os experimentos dos Situacionistas. Os textos e obras de Constant, Gilles Ivain e Debord contém uma crítica muito especial da forma de vida que resulta da arquitetura funcionalista. Suas obras são desenvolvidas para um período peculiar da nossa cultura e num momento decisivo da história da arquitetura. Entendo que um estudo rigoroso desses eventos ao redor de 1968 nos levará a compreender um pouco mais sobre os modos pelos quais as pessoas tornam-se conscientes dos efeitos que os espaços causam nelas.
John Hedjuk
John Hedjuk trabalhou, durante toda sua vida, uma mesma obra, na qual imprimiu variações numerosas. Montando e desmontando casas imaginárias em cubos, espinhos, geometrias, monstros, cinzas ou linhas retas, inventou, para cada uma dessas, pequenas narrativas de personagens que ali vivessem.
Uma dessas personagens, em particular, salta aos olhos quando se estuda aqueles desenhos: The Inhabitant who refused to participate. Em se tratando de Hedjuk, não foi nenhuma surpresa encontrar nada além de desenhos e um nome, um título. Silencioso, esse foi um autor de poucas explicações. Restava a pergunta: Contra o que reagira esse usuário? Em que pensava o arquiteto ao imaginá-lo? Quem é esse habitante? Em que ele não participa? Não conta ao arquiteto o que deseja, ou não distingue o que deseja? A que reage? Aos efeitos da obra, que lhe são nocivos? Pelo contrário, a obra não teria causado efeito algum sobre si? Sacudido, teria se mantido ausente?
Koolhaas
Dois dos trabalhos de Rem Koolhaas, o Exodus, ou os prisioneiros voluntários da arquitetura (1972) e Delirious New York (1972-1976) têm, a meu ver, a recepção como estratégia de reflexão para a criação. Em ambos, a experiência da vida urbana é transposta para a experimentação do espaço nos edifício. Koolhaas explicita ali a contradição funcional que é a vida na cidade, produto do que ele chama “cultura da congestão”. Os lugares são criados como crítica à forma sedimentada da cidade e essa crítica resultará em espaços jamais experimentados senão em situações limites: no Exodus, o delírio lisérgico, a orgia sexual, o esgotamento das forças físicas, a exaustão mental. Em Delirious... a contradição entre o desenho da cidade e o resgate das narrativas míticas, trazidas a um lugar onde já não são nem mais vestígio (o leito de Procusto, a história da piscina). Koolhaas explicita ali o “quanto a cidade é o lugar mais adequado para documentar a maneira pela qual o artificial substituiria o natural.”[18] A vida na metrópole, nos dois exemplos, é posta às claras: em vez de dissimular uma condição, vivê-la até o fim. Esses são exercícios teóricos importantes pois discutem o efeito que se espera da obra. Da acomodação de uma percepção desatenta, o usuário é levado a reagir, responder.
Coop Himmelb(L)au
Dois textos do Coop Himmelb(L)au apontam para a criação cujo fim é o impacto dos usuários. No primeiro deles, entitulado “A arquitetura deve arder”, diziam “Estamos cansados de ver Palladio e outras máscaras históricas porque não queremos que a arquitetura exclua tudo o que é inquietante.”[19] Noutro, “A poética da desolação”,
“Se há uma poética da desolação, então esta é uma estética da arquitetura envolta em lençois brancos. A morte em cômodos de hospital azulejados . A arquitetura da morte súbita sobre o chão pavimentado. A morte de uma caixa toráxica penetrada por uma coluna. A trajetória de uma bala através da cabeça de um traficante na rua 42. A estética da arquitetura do bisturi afiado do cirurgião. A estética do sexo dos filmes para espectadores em caixas de plático lavável. Das linguas rompidas, rasgadas e dos olhos secos. E assim é como devem ser os edifícios. Desagradáveis, rudes, penetrados. Ardentes. Como um anjo levantado da morte.”
O encontro com a obra - embate ou acolhida- é, sempre, um diálogo. Como colocar na obra o que se espera desse diálogo? O mundo que a obra é, é constituído de sentido por mim, habitante, mas unicamente no prévio horizonte da compreensão de ‘meu mundo’ ou mundo da vida que necessita de uma interpretação temática. Toda experiência individual, toda percepção individual, está co-determinada por suas imediações.
Como fazer com que o usuário se detenha diante da situação que a obra lhe apresenta?
Experiência pressupõe um horizonte, ou seja, o conjunto daquilo que no conhecimento individual tematico é percebido ou antecipado atematicamente, as expectativas que cada usuário traz consigo. Toda experiência tem a estrutura do horizonte, na medida em que é determinada por um saber prévio, de novos conteúdos que ainda não chegaram a ser dados tematicamente. O horizonte é um conhecimento prévio não totalmente determinado quanto a seu conteúdo, mas não totalmente vazio –“um desconhecimento é ao mesmo tempo um modo de conhecimento”.
Se cada momento da experiência da obra resultar em apreensões diversas, articuladas entre si, seja pela reversão ou confirmação das expectativas, a recepção das obras no mundo da vida pode se tornar produtiva, não somente reprodutiva, repetitiva. Cada momento de experimentação dos espaços, articulados, podem criar uma combinação intrínseca de perspectivas diferenciadas, seja de horizontes de memórias, de modificações presentes ou de futuras expectativas:
Se o lugar da arquitetura não é o do espetáculo, da vertigem de profusão de imagens, mas o da acomodação do olhar e do corpo pela familiaridade adquirida, a obra deve legar ao usuário uma pergunta, expô-lo ao impasse de não saber como proceder mas querer desvendar. A razão da arquitetura está na sua imediatez , sua capacidade para articular a vida em sua circunstância. [20]
É preciso garantir um certo reconhecimento: o estranho que desperte os sentidos, fazendo querer experimentar o espaço. Jauss chama a essa forma da obra de “obra distante do público”[21], aquela que é experientada sob um novo modo de percepção, “com um início de prazer ou estranhamento.”
Afinal, a obra de arquitetura precisa provocar a imaginação, ainda que, inicialmente, deva estar conectada ao horizonte do mundo da vida do usuário; é preciso que provoque prazer ou estranhamento, para que a seguir e pelo uso, essa experiência vá se somar ao horizonte de suas expectativas, reconfigurando-o, quando o estranhamento já se tiver tornado hábito. Ou recusa, como a personagem de Hedjuk. Este, talvez, tivesse a dizer de si o mesmo que o habitante da Nova York de Paul Auster que volta à casa depois de, por semanas, morar num beco entre dois arranha-céus e sobreviver:[22]
“Parece-me que estarei sempre no lugar onde não estou. Ou, simplesmente, onde quer que eu não esteja é exatamente onde estou. (...) em qualquer lugar, fora do mundo”.
As questões que este trabalho coloca são dirigidas tanto à teoria quanto à história da arquitetura, devendo ali ser respondidas, mas o principal interesse de uma pesquisa como esta é retornar à atividade de projeto, pois conhecer de maneira acurada os usuários e suas demandas, bem como seus modos de viver nos lugares, deve configurar, para o processo de feitura do projeto arquitetônico, uma possibilidade de reflexão, pelo arquiteto, sobre a efetiva produção do ambiente, no que respeita à permanência da obra no mundo da vida.
Pensar as formas de recepção de uma obra deve nos levar aos efeitos que esta provoca; deve servir à compreensão do modo como e até onde a feitura da obra controla os efeitos que esta produzirá. A consideração das situações de recepção das obras pelos habitantes possibilita ao arquiteto, em seu processo de criação, conferir à obra uma abertura tal que esta exija o seu acabamento pelo usuário. Ou seja, uma teoria da recepção da obra de arquitetura deve reconduzir às premissas do projeto, e pensar o usuário como uma terceira instância, para além da obra a ser criada e seu autor; uma teoria que permita fazer o arquiteto incluir de modo amplo o usuário no processo de criação.
[1] Para efeitos deste texto, ao fazer a descrição e caracterização do processo de recepção da obra de arquitetura parti de uma matriz filosófica, a fenomenologia de Husserl, e tomo seus desdobramentos nas teorias da Recepção de H.R.Jauss e Efeito Estético de W. Iser. Também são orientações desse trabalho os textos de Walter Benjamin acerca da recepção da arquitetura. Busquei desenvolver o argumento do texto a partir de discutindo exemplos vindos da própria arquitetura, tomando o discurso dos arquitetos sobre a forma como viam suas obras e, por vezes, seus usuários, e da literatura ficcional, recolhendo alguns personagens envolvidos de algum modo com a arquitetura, fosse a experiência dos edíficios ou das cidades.
[2] A primeira vez em que ouvi falar dessa forma de percepção da obra arquitetônica foi no texto de Umberto Eco, A Estrutura Ausente, cujo pensamento, voltado à semiologia em muito dista das direções da filosofia de Benjamin. Eco a chamava “fruição na desatenção”.
[3] Walter Benjamin, “A Obra de Arte à Época de sua Reprodutibilidade Técnica”, onde lemos: “a recepção tátil sucede não tanto através da atenção, como através do hábito”. Cf. ps. 108-110.
[4] Leituras de Husserl para esse texto: “Philosophy in the Crisis of European Mankind.”(Conferência de Viena, 7-10/maio/1935); The Crisis of European Sciences and Transcendental Phenomenology, 1937,(parte III, Seção A: “The Way into phenomenological Transcendental Philosophy by inquiring back from the Pregiven Life-world, §28-55); “The origin of Geometry”, 1936; “The Life-World and the World of Science, 1937; “Objectivity and the world of experience, 1936.
[5] Cf. Broadbent,G. Architectural Design: Architecture and Human Sciences, ps. 93-94. O autor elenca as ciências que “podem oferecer ao arquiteto informações úteis”: anatomia, antropologias física, social e estrutural, antropometria, arqueologia, demografia, ecologia humana, ergonomia, etnografia, etnologia, etologia, fisiologia, linguística, parapsicologia (!),, psicanálise, psicologia, psicologia social, psiquiatria, sociologia.
[6] Walter Benjamin, Charles Baudelaire, um lírico no auge do Capitalismo.
[7] E onde se configura a situação do sujeito na relação intencional com um contexto histórico-social que envolve o sujeito cognoscente e o objeto conhecido.
[8] Husserl, The Crisis ..., § 34.
[9] Husserl, The Crisis ..., § 37.
[10] Robert Musil, O Homem sem Qualidades, 27.
[11] Husserl, The Crisis..., parte III, §34, f., p.132.
[12] Fernand Braudel, As Estruturas do Cotidiano,... .O termo vida cotidiana surge do movimento de transformação das relações sociais, desde o século XVIII. Alki o termo começa a tomar seus contornos atuais, redefinindo duas forma e conteúdos. É no século XVIII que podemos já falar em arquitetura de interiores, dos lugares de moradia. A separação vida social-vida privada data do século XVIII, quando a esfera do privado emerge no ocidente. Vida pública é vida social, esfera dos espaços de produção das condições materiais da vida. Vida privada refer-se à autonomia da vida familiar, o espaço doméstico, esfera da reprodução da existência.
[13] Merleau-Ponty, apud Nunes, Benedito, ‘Fenomenologia e Experiência estética”, in: No tempo do Niilismo, 64.
[14] Robert Musil, O Homem sem Qualidades, 17.
[15] Gropius, Bauhaus:novarquitetura, 213.
[16] Manfredo Tafuri, Teorias...
[17] Robert Musil, O Homem sem Qualidades, 27.
[18] Rem Koolhaas, Quaderns, 175, 12/97
[19]respectivamente, 1978 e 1980.
[20] Alberto Pérez-Gómez, Prefácio in: Steven Holl, El Croquis, 1999, 20.
[21] Jauss, História da literatura como provocação..., 32.
[22] Paul Auster, Trilogia de Nova York, 125.
Comments
Achei a finalidade pedagogica contida na proposta muitissimo interessante. Tenho minhas duvidas se, supondo jah estar de posse de um instrumental teorico e historico, nohs, arquitetos, nao justificariamos com ele um sacerdocio de soberania do gosto sobre os nao arquitetos (como parece que sempre fazemos ao simplificar e "curto-circuitar" teorias). Durante a leitura muitas imagens vieram a cabeca, depois eu escrevo.
Os meus sublinhados foram os seguintes:
É preciso tematizar o cotidiano para além de suas hierarquias e formas de controle, e assim, avançar através da opacidade.
Ao arquiteto que problematiza o universo das relações estabelecidas entre habitantes e os espaços de que se apropriam, é inevitável a prática da interpretação do cotidiano.
Ao cotidiano cabe “uma vaga racionalidade”, isso porque é o real em suas resistências e contradições, com sua comunicação difícil e distorcida.
“O que escolher? O homem moderno nasce e morre numa clínica, portanto, também deve morar como numa clínica!
Walter Gropius falava do cliente a que é preciso ensinar, pois “raramente consegue Ter mais do que uma vaga representação de seus deveres como proprietários”[15]. Os arquitetos de hoje já renunciaram a tal tarefa pedagógica, quanto mais não seja porque há revistas demais, que já vão nos substituíndo. E, nem de longe, soubemos o que significava, de fato, a atividade construtiva a que Hannes Meyer chamava “organização consciente dos processos da vida.”
“a cidade como tal não educa para uma fruição crítica no ‘relaxamento da atenção’, mas aproveita este último para condicionar as escolhas de utilização.”
Há renovação e identidade possíveis para as casas, os edifícios?
Entendo que um estudo rigoroso desses eventos ao redor de 1968 nos levará a compreender um pouco mais sobre os modos pelos quais as pessoas tornam-se conscientes dos efeitos que os espaços causam nelas.
Como fazer com que o usuário se detenha diante da situação que a obra lhe apresenta?
Se cada momento da experiência da obra resultar em apreensões diversas, articuladas entre si, seja pela reversão ou confirmação das expectativas, a recepção das obras no mundo da vida pode se tornar produtiva, não somente reprodutiva, repetitiva.
A razão da arquitetura está na sua imediatez , sua capacidade para articular a vida em sua circunstância.
o principal interesse de uma pesquisa como esta é retornar à atividade de projeto, pois conhecer de maneira acurada os usuários e suas demandas, bem como seus modos de viver nos lugares, deve configurar, para o processo de feitura do projeto arquitetônico, uma possibilidade de reflexão, pelo arquiteto, sobre a efetiva produção do ambiente, no que respeita à permanência da obra no mundo da vida.
A consideração das situações de recepção das obras pelos habitantes possibilita ao arquiteto, em seu processo de criação, conferir à obra uma abertura tal que esta exija o seu acabamento pelo usuário.
Um grande beijo.