a camiseta com o e-mail
Ela olhou pra ele num bar, ele tinha o próprio mail estampado mytshirt@dotcom. Ela achou o cúmulo da obviedade. Será possível que ele não tivesse tido uma idéia melhor? Mas ele tinha os olhos fundos, o corpo esguio e alto, sem carne alguma. Belo? O rosto comum, o cabelo cinza, mas tinha as mãos grandes, e à vezes as escondia nos bolsos, o sinal de timidez nos homens que dava a ela segurança. Ela fez o impossível, passou na frente dele, ele sequer se moveu. Também isso era óbvio. absurdamente frustrante. Não ia ser diferente: ele simplesmente não a vira. Outro. Mais um homem e do mesmo jeito. Mas não importava, ela foi pra casa pensando naquela camisa. Se lembrou de um verso numa música banal, que há vinte anos atrás tocava no rádio e se chamava uniformes: os heróis na minha blusa não são os que você usa.
No caminho de casa o metrô atrasou, anoiteceu e quando ela saiu da estação estava decidida a escrever. Ligou o notebook e mandou uma mensagem cifrada: your shirt on my chair, um verso de outra música, dessa vez da Laurie Anderson. Três semanas e um dia à tarde ele respondeu: parabéns, já são alguns meses andando por aí com a blusa e ninguém nunca escreveu. Ela colocou outras duas palavras na tela. Suas mãos, e mandou de volta. O que você faz além de se lembrar de músicas velhas? Escrevo estórias e conto as estórias dos outros. Você também? Sou um ghost writer. De quem? De livros de turismo de grandes cidades, e sobre usinas hidrelétricas, ou histórias de armadores, as histórias dos navios mesmos e por aí afora. Sei o que é. Vivo as histórias dos outros quando as conto. Onde? Em festas de criança, em livrarias do centro da cidade, em teatros vazios. E onde vamos nos ver? No mesmo bar, talvez. Na outra quinta, à noite. Ela foi, nunca o viu. Não ligou jamais. Na véspera de um feriado grande, ele mandou um e-mail: é que eu saí de outra história. Riu da coincidência e escreveu de volta Eu ouço sempre os mesmos discos, repenso as mesmas idéias...música da laurie Anderson
Com ele, anos depois, ela aprenderia sobre a crueldade, não aquela que fere, mas a que deixa subjugado todo o amor, que faz você se esquecer de como é um carinho feito no seu cabelo enquanto anda na rua ou um beijo de despedida na calçada do trabalho. Aquela que é parecida com a indiferença, e que mata lentamente, sem feridas.
No caminho de casa o metrô atrasou, anoiteceu e quando ela saiu da estação estava decidida a escrever. Ligou o notebook e mandou uma mensagem cifrada: your shirt on my chair, um verso de outra música, dessa vez da Laurie Anderson. Três semanas e um dia à tarde ele respondeu: parabéns, já são alguns meses andando por aí com a blusa e ninguém nunca escreveu. Ela colocou outras duas palavras na tela. Suas mãos, e mandou de volta. O que você faz além de se lembrar de músicas velhas? Escrevo estórias e conto as estórias dos outros. Você também? Sou um ghost writer. De quem? De livros de turismo de grandes cidades, e sobre usinas hidrelétricas, ou histórias de armadores, as histórias dos navios mesmos e por aí afora. Sei o que é. Vivo as histórias dos outros quando as conto. Onde? Em festas de criança, em livrarias do centro da cidade, em teatros vazios. E onde vamos nos ver? No mesmo bar, talvez. Na outra quinta, à noite. Ela foi, nunca o viu. Não ligou jamais. Na véspera de um feriado grande, ele mandou um e-mail: é que eu saí de outra história. Riu da coincidência e escreveu de volta Eu ouço sempre os mesmos discos, repenso as mesmas idéias...música da laurie Anderson
Com ele, anos depois, ela aprenderia sobre a crueldade, não aquela que fere, mas a que deixa subjugado todo o amor, que faz você se esquecer de como é um carinho feito no seu cabelo enquanto anda na rua ou um beijo de despedida na calçada do trabalho. Aquela que é parecida com a indiferença, e que mata lentamente, sem feridas.
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